Reflexões

"Instruí-vos, porque precisamos da vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos do vosso entusiasmo.

Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa força".
(Palavra de ordem da revista L'Ordine Nuovo, que teve Gramsci entre seus fundadores)

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dezembro 13, 2008

Memória do PCdoB‏

A história do Partido Comunista do Brasil ainda está para ser escrita. As dificuldades desta empreitada sempre estiveram ligadas ao longo período de repressão a que fomos submetidos. Repressão que atingiu este partido de maneira particularmente dura. Seus dirigentes e militantes foram obrigados a viverem longos períodos na mais dura clandestinidade. Periodicamente se viam na contingência de destruir livros e documentos - e os órgãos de repressão cuidavam de roubar e destruir o que, por ventura, tivesse ainda sobrado.
Assim, desapareceram pedaços importantes do nosso passado. Uma situação bastante diferente da existente na maioria dos países da Europa, no qual os partidos comunistas conheceram largos períodos de legalidade, pelo menos desde 1945.
Entre outras coisas, a ditadura militar foi responsável por um atentado monstruoso à memória do movimento social brasileiro que nenhuma anistia será capaz de restituir plenamente. Por tudo isso, urge que as organizações interessadas no resgate e na conservação da memória da luta do nosso povo se apressem na coleta, organização e divulgação destas informações que, em grande parte, ainda se encontram nas mãos e na memória dos velhos militantes.
No início do ano de 1972, quando da passagem de meio século da fundação do Partido Comunista do Brasil, João Amazonas e Maurício Grabóis escreveram o importante documento – “50 anos de Lutas”. Redigiram-no em condições de trabalho extremamente difíceis, em plena selva do Araguaia, utilizando-se da própria memória. O texto foi levado para São Paulo e aprovado numa reunião clandestina do Comitê Central. Neste mesmo momento iniciava-se a resistência guerrilheira no Araguaia e uma violenta repressão se desencadeou sobre o PCdoB. Quase uma centena de dirigentes e militantes foi assassinada nas cidades e no campo.
No interior do outro Partido Comunista (o brasileiro) foi também ganhando força a idéia de que era necessário escrever uma história do Partido Comunista. No entanto, ele teve as mesmas dificuldades que o seu co-irmão. A situação brasileira, sob uma ditadura feroz, não oferecia condição alguma para a realização vitoriosa dessa tarefa.
O historiador Nelson Werneck Sodré, então militante do PCB, escreveu: “os que viveram aquela fase tenebrosa devem recordar que entre as providências mais urgentes das pessoas passíveis de incorrer nas iras da ditadura estava a da destruição de tudo o que fosse passível de ser apresentado como ‘material subversivo’. Isso incluía, evidentemente, livros, jornais, revistas, para não falar em documentos. Bibliotecas inteiras foram destruídas por seus possuidores”. Outra dificuldade, relatada por Sodré, era que “toda e qualquer pesquisa relacionada ao tema, a reunião de pessoas para discuti-lo e repartir tarefas, apresentava o risco de ser considerada conspirativa”.
Diante de tantas dificuldades o projeto de construção das histórias dos partidos comunistas teve que ser congelado. “Tornou-se claro, continuou Sodré, que uma história do PCB só poderia ser elaborada quando vigorasse no país um regime autenticamente democrático. Naqueles dias do jubileu, entretanto, o que se pedia era o possível: um balanço histórico, mais analítico que descritivo”. Esta foi a mesma saída encontrada pelo PCdoB na ocasião.
Mesmo após o início da “abertura política” dos generais Geisel e Figueiredo, as estripulias da polícia política e dos terroristas de direita não pararam. Eles continuaram apreendendo e destruindo parte importante dos arquivos ainda existentes. Lembramos apenas da Chacina da Lapa em dezembro de 1976 e o atentado terrorista à sede do jornal Tribuna da Luta Operária, ocorrido nas vésperas da votação das diretas já. Devido a ele perdeu-se um acervo importantíssimo, especialmente de fotos da fase semi-clandestina (pós-1979), que deixou um rombo na memória visual do PCdoB.
Infelizmente, mesmo nos anos que se seguiram ao fim da ditadura, os próprios partidos comunistas fizeram poucos esforços para preservar a sua própria história – montar arquivos adequados e gravar depoimentos de seus antigos militantes. Naquela fase, outras tarefas se faziam mais urgentes.
No entanto, existiram alguns esforços memoráveis para preservar a memória dos comunistas brasileiros. Um deles foi a operação montada por militantes do antigo PCB – como José Salles, Marly Vianna, Zuleide Faria Melo, Dora Henrique da Costa e José Luís Del Roio – para salvar parte do riquíssimo arquivo de Astrojildo Pereira que estava sendo ameaçado pela ditadura militar e conserva-lo em local seguro. O material foi enviado clandestinamente para a Europa na segunda metade da década de 1970 e passou a compor o Arquivo Histórico do Movimento Operário Brasileiro da Fundação Giangiacomo Feltrinelli de Milão. Mais tarde voltaria ao Brasil e seria alojado na UNESP.
Estas tentativas de preservar e divulgar a sua história estavam ligadas à luta que se travava no país pela direção política do movimento democrático e popular nos estertores da ditadura militar. O PCB era criticado duramente pelo PCdoB – que se dizia o verdadeiro herdeiro de 1922 –, pelas dissidências armadas e, depois, pelo PT. Este último partido, por sua vez, fez todos os esforços para impor a falsa idéia de que a luta operária autêntica começou no ABC paulista entre 1978-1979. Todas estas organizações sabiam que a luta pela memória também fazia parte da sua luta pela hegemonia.
O PCdoB e sua memória
Por decisão do 9º Congresso do PCdoB, realizado em 1997, foi criada um comissão específica para a redação da História do Partido Comunista do Brasil. Esta comissão realizou coisas importantes como as entrevistas com João Amazonas – que trouxeram importantes subsídios para a construção da história do Partido e a de seu principal dirigente –, um seminário nacional sobre o a história do PCdoB e a produção de uma série de artigos autorais que foram publicados na revista Princípios e que agora sairão na forma de um livro. Outro resultado foi a publicação de uma coletânea com os principais documentos partidários, elaborados entre 1961 e 2002. Todo este esforço contribuiu para elaboração do sintético documento “80 anos do Partido Comunista do Brasil”, aprovado em 2002 pelo Comitê Central.
O trabalho realizado foi importante, mas ainda bastante insuficiente. O conjunto das direções e os militantes não se conscientizaram para a necessidade da preservação da memória comunista. Os arquivos partidários continuaram desorganizados, quando não eram destruídos graças à falta de cuidado. Antigos militantes – que foram importantes na nossa história – são relegados ao descaso.
Visando superar estas lacunas, a direção nacional do PCdoB resolveu constituir um Centro de Memória e Documentação que funcionará na nova sede nacional e estará vinculado a Fundação Maurício Grabois. Ele comportará uma biblioteca especializada em história do Partido, coleções de periódicos comunistas (revistas teóricas como Problemas e Princípios, jornais como A Classe Operária e Tribuna da Luta Operária etc.); documentos produzidos pelo Comitê Central e demais comitês partidários; vídeos (programas institucionais, filmes e documentários); as transcrições de entrevistas realizadas com antigos militantes; fotos e cartazes, selos, crachás, broches etc. O Centro será aberto ao público em geral, especialmente aos pesquisadores.
Num primeiro momento, ele voltará suas atenções para coletar e organizar o acervo relativo ao período posterior à crise do PC do Brasil em 1956, que levou a cisão definitiva do movimento comunista brasileiro. A principal razão para esta opção é que já existem bons acervos sobre a história do Partido Comunista nas décadas de 1920, 1930, 1940 e 1950 tanto no Cedem-Unesp como no AEL-Unicamp.
Assim, O Centro de Documentação e Memória se constituiria numa espécie de centro de referência para a história do PC do Brasil desde o final dos anos 1950 até a atualidade. Isto é claro, sem abrir mão de se estar recebendo documentos de um período anterior da história do Partido. Ele estabelecerá convênios com outras instituições de pesquisa visando ter a melhor orientação técnica, a troca de experiências, reprodução e intercâmbio quanto aos acervos, além de realizar atividades conjuntas de estudo e divulgação da história do PC do Brasil..
Sua existência criará melhores condições para o desenvolvimento de uma consciência e um movimento preservacionista no interior do Partido, incentivando que os comitês municipais e estaduais estabeleçam projetos próprios de conservação e divulgação da memória em suas localidades. Isso cumprirá um importante papel na formação ideológica dos militantes e das direções de base. Ela incentivará que os estudantes comunistas e simpatizantes, especialmente nas áreas de ciências humanas, se dediquem à pesquisa sobre a história do Partido e a realidade brasileira.
Por fim, para darmos conta dessas tarefas devemos criar uma comissão especial ligada ao Centro de Memória e Documentação e que deverá ser composta por pesquisadores do PCdoB e não vinculados a ele. Caberá a esta comissão detalhar o funcionamento do Centro e desenvolver, entre outras coisas, projetos de coleta de documentos e de depoimentos a partir das prioridades estabelecidas. Ela será um núcleo permanente de discussão e divulgação de assuntos relativos à história do Partido Comunista no Brasil. Para isso se utilizará de meios variados, como seminários, debates, palestras e publicações.
Preservar a divulgar a história dos comunistas brasileiros é defender o direito à memória de parte importante dos melhores lutadores do nosso povo ao longo do século 20 e neste início de século 21. É necessário, como diz a canção, “entrelaçar a bandeira vermelha do socialismo com a bandeira verde-amarela da emancipação nacional”.
Augusto Buonicore, historiador, é membro do Comitê Central do PCdoB.

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