Reflexões

"Instruí-vos, porque precisamos da vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos do vosso entusiasmo.

Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa força".
(Palavra de ordem da revista L'Ordine Nuovo, que teve Gramsci entre seus fundadores)

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dezembro 27, 2008

Quem são os verdadeiros vândalos?

No primeiro dia da 28ª Bienal de São Paulo, um grupo formado por cerca de 40 pessoas invadiu o pavilhão no Parque do Ibirapuera e pichou parte de seu segundo andar (o andar “vazio”), durante o horário de visitação. Os pichadores preencheram as paredes com frases do tipo: “Isso que é arte” “Abaixa a ditatura” “Fora Serra.” Além dos nomes das gangues, como eles mesmo se denominam, Susto, 4 e Secretos. Vários grupos estavam envolvidos na invasão e esta foi uma continuidade das ações de protesto que ocorreram neste ano na Faculdade Belas Artes e na galeria Choque Cultural, lideradas pelo artista Rafael Guedes Augustaitiz, o PixoBomb.

Alguns visitantes aplaudiram a pichação, mas seguranças e pichadores trocaram socos e pontapés. A segurança fechou as portas do prédio e prendeu alguns jovens até que a polícia chegasse. Uma vidraça acabou quebrada. Logo depois as pichações foram cobertas com o banal custo de algumas latas de tinta e tudo permaneceu como antes.

Alguns pichadores foram presos e liberados em seguida. Apenas Caroline Pivetta da Mota, de 23 anos, permaneceu presa, pois não tinha como comprovar residência e trabalho. Caroline está presa há 53 dias...

Este é mais um fato que escancara tanto a justiça quanto o sistema de arte, cada dia mais reacionário. Vejam a nota da Bienal sobre o fato: "Trata-se de um ato criminoso, previsto em lei, contra um patrimônio público, o edifício da Bienal, o meio ambiente, a área preservada do Parque Ibirapuera (...)
Causa-nos profunda surpresa e pesar, ver que no momento em que a exposição Bienal se propõe como um espaço democrático, aberto ao público, hospitaleiro, recebamos uma manifestação completamente contrária a esse espírito. O vandalismo causado pela atitude autoritária e agressiva desses jovens representa uma ameaça à constituição de um espaço público coletivo, que respeite a integridade de cada cidadão e o patrimônio material e simbólico da nossa cultura. (...)"

A nota, além de expressar uma postura extremamente conservadora em relação à Arte, é uma grande contradição com a própria proposta desta Bienal. Os burocratas e intelectuais envolvidos na Bienal sempre tentam cobrir suas fracas e estéreis idéias de arte elitizada com um discurso de abertura, democratização e coletivização dos espaços da Arte, como podemos ver no texto de abertura da 28ª Bienal, que chega a ser cômico: “A transformação do andar térreo numa praça pública sugere uma nova relação da Bienal com o seu entorno – o parque, a cidade –, que se abre como a ágora na tradição da polis grega, um espaço para encontros, confrontos, fricções.”

Uma coisa é o discurso outra coisa é a prática. Na prática, quando a Bienal acionou a polícia e registrou o boletim de ocorrência (e ainda não retirou a acusação), todo o discurso de “praça pública, espaço para encontros, confrontos e fricções” desmoronou, mostrando ser mais uma estratégia de marketing do que uma proposta cultural.

Ao manter Caroline presa durante mais de 50 dias por aplicar tinta na parede em um espaço de arte “aberto” ao público o sistema de arte, de cultura e justiça só demonstram mais uma vez como são extremamente reacionários. “Se o vazio fosse de fato o espaço aberto para discutir a instituição, essa extraordinária grafitagem teria sido incorporada ao projeto ético e político da 28ª Bienal”, escreveu Paulo Herkenhoff, crítico de arte e curador da 24ª Bienal de São Paulo, ao jornal Folha de S. Paulo.

A polêmica aqui não é se pichar é ou não é arte, é ou não vandalismo. A burguesia que determina o que é ou não é arte. As Bienais, os intelectuais de plantão, os galeristas e o mercado funcionam como um carimbo de “é realmente arte”. A burguesia incorpora sempre qualquer forma de expressão artística por mais radical, antagônico e polêmico que seja. Foi assim com o movimento Punk, com o Grafite, o Hip Hop etc.

Ou seja, para a burguesia, pichar ou não pichar não é a polêmica. Uma pichação com assinatura de Jean Michel Basquiat em Nova Iorque ou um grafite da dupla Os Gêmeos em um viaduto em São Paulo custa alguns milhões de dólares e sendo assim a burguesia sorri chamando a pichação e o grafite de arte e não de “ato criminoso”.

O absurdo completo que é a prisão de Caroline só reflete o tipo de sociedade que estamos vendo surgir no Brasil.

Enquanto a burguesia esbalda-se distribuindo livros de arte como brinde de final de ano, pagos com dinheiro do povão, o ensino e os espaços de arte seguem elitizados. Faltam funcionários, instalações, equipamentos e verbas em todas as instituições públicas de arte do país. O ensino de Arte encontra-se totalmente abandonado, da creche à universidade. As artes visuais, o cinema, o teatro e a música dependem de esmolas para não desaparecem.

Parodiando, a nota divulgada pela Bienal poderia ficar assim: "Uma burguesia criminosa que age contra o patrimônio público, o edifício da Bienal, o meio ambiente, a área preservada do Parque Ibirapuera, contra a saúde, a educação, a justiça e todas as formas autênticas de expressão.
O vandalismo causado pela atitude autoritária e agressiva da burguesia brasileira (ministério da Cultura, ministério da Justiça, polícia de são Paulo, Governador José Serra, Fundação Bienal de São Paulo e o curador Ivo Mesquita) representa uma ameaça à constituição de um espaço público coletivo, que respeite a integridade de cada cidadão e o patrimônio material e simbólico da nossa cultura."
do site do PSTU

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