Reflexões

"Instruí-vos, porque precisamos da vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos do vosso entusiasmo.

Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa força".
(Palavra de ordem da revista L'Ordine Nuovo, que teve Gramsci entre seus fundadores)

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dezembro 20, 2008

Renda básica universal é direito a escolher própria forma de vida

A concepção republicana de liberdade é muito exigente. Liberdade e igualdade são dois fatores indissociáveis. Hoje, grandes fortunas convivem com milhões de miseráveis. As desigualdades sociais são causa da falta de liberdade para milhões de pessoas. A proposta de uma renda básica universal não se reduz à invocação de um direito humano a uma subsistência mínima. Ela se baseia numa concepção de justiça que assegure a cada pessoa não apenas a possibilidade de consumir, mas também de escolher sua forma de vida.

A existência material garantida como condição de liberdade ou a justificação republicana (7)

Muitas são as diferenças que os autores republicanos – desde Aristóteles a Robespierre, desde Cícero a Marx, desde Marsilio de Padua a Adam Smith, desde Maquiavel a Kant (8) – apresentam entre si. Sejam quais forem as diferenças, todos eles compartilham ao menos duas convicções:

Ser livre significa não depender de outro particular para viver, não ser arbitrariamente violado por esse outro particular; quem depende de outro para viver não é livre. Quem não tem assegurado o “direito à existência” por carecer de propriedade não é sujeito de direito próprio – sui iuris -, vive à mercê dos outros e não é capaz de cultivar – e menos ainda de exercitar – a virtude cidadã; e o é assim porque esta dependência com respeito a outro particular o converte num sujeito de direito alheio, um alieni iuris, um “alienado”.

A liberdade republicana pode alcançar a muitos (democracia plebéia, como defendem os republicanos democráticos) ou a poucos (oligarquia plutocrática como defenderam os republicanos oligárquicos), mas sempre está fundada na propriedade e na independência material que dela deriva. E esta liberdade não poderia se manter se a propriedade estivesse tão desigual e polarizadamente distribuída, de modo que uns poucos particulares pudessem desafiar a república e lutar com êxito contra a cidadania para impor sua concepção de bem público. Quando a propriedade está distribuída muito desigualmente, há pouco espaço, se há algum, para a liberdade do resto, dos que estão dela privados.

A independência, a existência material, a base autônoma (aqui, expressões perfeitamente permutáveis) que a propriedade confere é condição indispensável para o exercício da liberdade. Recordemos que imediatamente depois de declarar, no artigo 17.1 que “toda pessoa tem direito à propriedade individual e coletivamente”, o artigo 17.2 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 diz: “Ninguém será privado arbitrariamente de sua propriedade”. Também o artigo 17 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 dizia de forma meridiana: “Sendo a propriedade um direito inviolável e sagrado, ninguém pode ser dela privado, salvo quando a necessidade pública legalmente comprovada o exija de modo evidente, e sob a condição de uma justa e prévia indenização”. Aqui são decisivas as palavras “quando a necessidade pública legalmente comprovada o exija de modo evidente(9).

Também a Constituição vigente do Reino de Espanha diz em seu artigo 33 de forma bastante similar: “1. Reconhece-se o direito à propriedade privada e à herança. 2. A função social desses direitos delimitará seu conteúdo, de acordo com as leis. 3. Ninguém poderá ser privado de seus bens e direitos, senão por causa justificada de utilidade pública ou interesse social, mediante a correspondente indenização e em conformidade com o disposto nas leis”. Partindo de pontos parecidos, alguns defensores republicanos da renda básica sugeriram a idéia de “universalizar a propriedade”. Universalizar a propriedade deve entender-se de forma metafórica. Não se trata literalmente de repartir a propriedade de um dado país, ou do mundo, entre os habitantes do país em questão, no primeiro caso, ou do mundo inteiro, no segundo. Universalizar a propriedade deve ser entendido aqui de forma equivalente a garantir a todos a existência material.

A instauração de uma renda básica suporia uma independência socioeconômica, uma base autônoma de existência muito maior que a atual para boa parte da cidadania, sobretudo para os setores mais vulneráveis da cidadania e mais dominados nas sociedades atuais (boa parte dos trabalhadores assalariados, pobres em geral, desempregados, mulheres, etc.). Em resumo, a introdução de uma renda básica faria com que a liberdade republicana, para alguns grupos de vulnerabilidade, vissem suas possibilidades alargadas. Vejamos isso mais de perto. Por grupo de vulnerabilidade aqui se vai entender aquele conjunto de pessoas que têm em comum serem suscetíveis à interferência arbitrária por parte de outros conjuntos de pessoas ou de alguma pessoa em particular.

da Carta Capital.

A análise é de Daniel Raventós.

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