Reflexões

"Instruí-vos, porque precisamos da vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos do vosso entusiasmo.

Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa força".
(Palavra de ordem da revista L'Ordine Nuovo, que teve Gramsci entre seus fundadores)

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fevereiro 19, 2010

Discurso de Pedro Simon em defesa do juiz Fausto De Sanctis

 
Discurso de Pedro Simon em defesa do juiz Fausto De Sanctis
17/02/2010 22:12:20

Confira, abaixo, a íntegra do discurso do senador Pedro Simon sobre a interferência dos tribunais superiores nas decisões do juiz Fausto De Sanctis, responsável por condenar o banqueiro Daniel Dantas, do grupo Opportunity, e investigar executivos da construtora Camargo Corrêa, na quarta-feira 17:

“Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

Durante o recesso, estudei com atenção dois assuntos que muito atraíam meu interesse.

O primeiro deles era a situação delicada que vive o Judiciário brasileiro em função da freqüente revisão de decisões de juízes de primeira entrância por parte de Membros dos Tribunais Superiores. Na verdade, eu me concentrei no estudo do caso do juiz Fausto de Sanctis, que atua em dois processos de grande presença na mídia, resultantes das operações Satiagraha e Castelo de Areia.

O outro assunto sobre o qual eu havia me debruçado com a finalidade de fazer um pronunciamento era a comemoração naquele dia, quinta-feira da semana passada, dos vinte anos da libertação de Nelson Mandela após 27 nos de prisão. Considero Mandela o maior estadista vivo. Acho que ele se transformou num dos maiores homens públicos do século passado ao fazer a transição pacífica de um regime racista para uma democracia multirracial. Sem ele, sem sua grandeza, sem sua imensa capacidade de perdoar, a África do Sul teria mergulhado numa guerra fraticida.

Decidi falar sobre Nelson Mandela. Afinal, na Justiça brasileira, anos após ano, não se vê muita mudança para melhor. Permanece sempre a frustrante sensação de impunidade. É verdade que o recentemente criado Conselho Nacional de Justiça vem apresentando bons serviços à Nação. Mas também é verdade que os processos se arrastam por anos, dando a impressão de que só os que têm bons advogados é que obtêm Justiça neste país.

Pois bem, subi à Tribuna e falei de Nelson Mandela.

Ao descer para o Plenário, fui informado de que o governador de Brasília, José Roberto Arruda, havia sido preso, em conseqüência da Operação Caixa de Pandora.

Não acreditei, Senhor Presidente. Simplesmente, eu não acreditei no que estavam me dizendo.

No entanto, em seguida, fui entrevistado pelos jornalistas, e caí na real, como dizem os jovens. Realmente, o STJ havia dado uma ordem de prisão contra o governador e ele já encontrava recolhido às dependências da Polícia Federal.

Já no gabinete, comentei com meus assessores o que poderia ter ocorrido. Enquanto eu estivesse comentando, na Tribuna, a necessidade urgente de uma Justiça efetiva e eficiente neste país, algum dos Senhores Senadores poderia se levantar para derrubar meu pronunciamento com um simples aparte, informando que o governador do Distrito Federal havia sido preso.

Mais tarde, eu voltei a examinar o pronunciamento que havia preparado sobre a Justiça. Num primeiro momento, pensei em não divulgá-lo mais. No entanto, conclui que o que aconteceu em Brasília, embora sendo um avanço, é apenas um passo em direção a Justiça que queremos. É um grande passo, sem dúvida. Mas é o primeiro.

Assim, aqui estou, hoje para analisar a Justiça brasileira, especialmente no que se refere ao choque entre juizes de primeira entrância e Tribunais Superiores. Faço, agora, portanto, o pronunciamento que poderia ter feito na semana passada. Ao final dele, comentarei a sentença contra o governador de Brasília e as muitas e intrincadas questões políticas levantadas por este fato.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores: venho hoje a esta Tribuna para tratar de assunto que é um dos mais grave da área pública justo neste momento em que começamos o ano de 2010, ano de disputa presidencial, ano de acirramento dos ânimos políticos, ano de uma eleição que promete ser das mais duras já enfrentadas após a redemocratização.

Quero tratar hoje, aqui, da Justiça brasileira. Aliás, num valoroso artigo publicado no jornal Folha de São Paulo, em 24 de dezembro passado, a procuradora da República Janice Agostinho Barreto Ascari dá uma dimensão do problema.

‘A Justiça na UTI’ é o título do referido artigo.

Nesse texto, a procuradora examina todas as graves implicações dos desdobramentos jurídicos da conhecida Operação Satiagraha.

Leiamos os três primeiros parágrafos do referido artigo:

‘Após sucessivas intervenções jurídicas incomuns encontra-se agonizando, em estado grave, um dos mais escabrosos casos de corrupção e crimes de colarinho branco de que se teve notícia no Brasil’.

‘A Operação Satiagraha surpreendeu o país. Nem tanto pelos crimes (corrupção, lavagem de dinheiro e outros), velhos conhecidos de todos, mas sim pelas manifestações de autoridades e de instituições públicas e privadas em defesa dos investigados’.

‘Nunca se viu tamanho massacre contra os responsáveis pela investigação e julgamento do caso. Em vez do apoio à rigorosa apuração e punição, buscou-se desacreditar e desqualificar a investigação criminal colocando em xeque, com ataques vis e informações orquestradas e falaciosas, o sério trabalho conjunto do Ministério Público Federal e da Polícia Federal, bem como a atuação da Justiça Federal’.

Falarei aqui, hoje, sobre o juiz Fausto de Sanctis, Titular da Sexta Vara Criminal de São Paulo, que, jovem ainda, tem sob sua responsabilidade vários processos que ganharam o interesse da mídia por envolverem aqueles a quem podemos chamar de pessoas de grosso calibre.

Dos casos sob a responsabilidade do Juiz De Sanctis, o mais conhecido, sem dúvida, é a Operação Satiagraha, mas há dois outros igualmente intrincados e que envolvem pessoas poderosas.

A operação Satiagraha tem como principal acusado o senhor Daniel Dantas, badalado banqueiro, nacionalmente famoso depois que obteve do Supremo dois hábeas corpus quase simultâneos que o livraram da cadeia, onde se encontrava por ordem do magistrado acima citado.

Duas decisões recentes de tribunais superiores, tomadas no final do ano passado, podem invalidar as investigações da Satiagraha. Uma liminar do STF determinou que todas provas originais dessa Operação - reunidas em doze grandes caixas - fossem retiradas do processo e levadas para Brasília. Uma liminar de ministro do STJ suspendeu ações e investigações da Satiagraha.

O segundo caso de grande impacto na comunicação social que está em mãos do jovem magistrado é resultante de uma outra operação da Polícia Federal, chamada Castelo de Areia, que investigou doações milionárias de uma conhecida construtora nacional a políticos de todos ou quase todos os principais partidos políticos brasileiros.

No processo da Operação Castelo de Areia, a investigação do juiz De Sanctis foi suspensa, em pleno recesso da Justiça, agora em janeiro, pelo Superior Tribunal de Justiça, que aceitou as alegações dos advogados da empresa, no sentido de que a investigação teria sido iniciada ilegalmente por quebra de sigilo telefônico em decorrência de denúncia anônima. De nada adiantou o juiz ter explicado as STJ que o caso iniciou-se com o depoimento de um colaborador da Justiça e com os resultados de outra apuração policial.

Sobre a suspensão da investigação no caso Castelo de Areia, a revista CartaCapital publicou, na edição de 20 de janeiro, um editorial assinado pelo destacado jornalista Mino Carta:

“Mais uma telha cai sobre a cabeça do juiz Fausto De Sanctis, da Sexta Vara Criminal de São Paulo, especializada em crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem. Dia 11, o juiz aceitou a denúncia do MP federal, amparado por investigação da PF contra três diretores da Camargo Corrêa por lavagem precedida por evasão de divisa. Dia 14, o STJ paralisou a ação!”

Depois de ressaltar que “o destino inescapável”, levou o juiz a tomar decisões que atingiram “enormes interesses, econômicos e políticos”, o edital da conceituada revista acrescenta:

‘Fausto De Sanctis é jovem magistrado de figura elegante e palavras bem medidas, raramente revela alguma tensão ao apressar a fala sem elevar o tom. Sua dedicação ao mister está fora da mais pálida dúvida, bem como sua competência e integridade’.

‘O juiz não vive, porém, dias sossegados, alvo de inúmeros procedimentos administrativos e de acusações e ironias de pares e escribas, sem falar do confronto que teve de sustentar com o presidente do STF, Gilmar Mendes, quando das prisões do banqueiro Daniel Dantas. Confronto perdido, como se sabe, pelos dois habeas corpus concedidos ao banqueiro graças a decisões de Mendes tão imperiosas quanto descabidas’.

Há ainda um outro processo com grande repercussão na mídia submetido ao juiz De Sanctis. Trata-se do conhecido caso MSI-Corinthians, que investiga uma nebulosa parceria entre o clube de futebol paulista e uma multinacional de investidores, a MIS, comandada pelo magnata russo Boris Berezovski, uma das figuras mais controvertidas do capitalismo pós-soviético, que, após o colapso do comunismo, enriqueceu com as privatizações no regime de Boris Ieltsin.

Senhor Presidente, inicialmente, vou me concentrar, aqui, na Operação Satiagraha.

Vejamos mais um trecho do referido artigo da procuradora Janice Ascari, na Folha, em que ele analisa o desdobramento dessa famosa operação:

‘O poder tornou vilões os que sempre se pautaram por critérios puramente jurídicos e recolocaram a questão no campo técnico, no cumprimento do dever funcional. Pouco se fala dos crimes e dos verdadeiros réus’.

Cabe aqui um comentário que é, na verdade, uma lamentação. No Brasil, hoje, aparentemente, Judiciário, Legislativo e Executivo não se debruçam mais sobre o essencial. O que se discute, por exemplo, não é o crime praticado, mas se as autoridades colocaram os carimbos corretos nas páginas certas dos processos. Ou seja, discute-se, em muitos casos, o acessório e não o principal.

Pois bem, prossegue a procuradora Janice:

‘Em julho de 2008, decretou-se a prisão dos investigados pela possibilidade real de orquestração e destruição de provas’.

‘A prisão preventiva do cabeça da organização foi criteriosamente determinada em sólida decisão, embasada em documentos e em fatos confirmados nos autos, como a grande soma de dinheiro apreendida com os investigados, provando ser hábito do grupo o pagamento de propinas a autoridades’.

‘Apesar de tantas evidências, o presidente do STF revogou a prisão por duas vezes em menos de 48 horas. Os fatos criminosos, gravíssimos, foram ignorados. Pateticamente, o plenário do STF referendou o “HC canguru” (aquele habeas corpus que pula instâncias) e voltou-se contra o juiz, mas sem a anuência dos ministros Joaquim Barbosa e Marco Aurélio - este, aliás, o único que leu e analisou minuciosamente as decisões de primeiro grau’.

E continua a procuradora:

‘Iniciou-se um discurso lendário, inconsequente e retórico para incutir, por repetição, a ideia da existência de um terrível ‘Estado policialesco’ e da ‘grampolândia’ brasileira, uma falação histriônica a partir de um ‘grampo’ que jamais existiu’.

Eu lembro muito bem desse episódio, pelo tanto que ele acirrou a discussão entre os juristas brasileiros. Afinal, tratava-se de uma decisão inusitada e preocupante do presidente do Supremo. Um juiz de primeira instância mandava prender um cidadão e o presidente do Supremo revogava tal decisão em duas oportunidades, em apenas 48 horas.

Ali eu me perguntei: será que em outros países é assim?

Será que na França ou nos Estados Unidos um ministro da Corte Suprema revoga decisão de juiz e dá, em seguida, declarações bombásticas contra esse mesmo magistrado?

O problema, em poucas palavras, é o seguinte: estarão as decisões dos tribunais superiores brasileiros travando investigações contra poderosos ao mesmo tempo em que desprestigiam policiais competentes e humilham magistrados inflexíveis?

O artigo da procuradora Janice Ascari entra no cerne da questão:

‘Alcançou-se o objetivo de afastar policiais experientes, de trabalho nacionalmente reconhecido e consagrado: o então diretor da Abin foi convidado a deixar o cargo; o delegado de Polícia Federal que presidiu o inquérito foi afastado das funções e corre risco de exoneração’.

‘Outra vertente é aniquilar a atuação da Justiça de primeiro grau, afastando o juiz. Cada decisão técnica, porque contrária aos réus, passou a ser tachada de arbitrária e parcial. Muitas foram as armadilhas postas para atacar pessoalmente o juiz e asfixiar a atividade da primeira instância, por meio de centenas de petições, habeas corpus, mandados de segurança e procedimentos disciplinares’.

Por falar em procedimentos disciplinares, a revista Carta Capital - que vem dando uma excepcional cobertura sobre o trabalho que visa emparedar o juiz de Sanctis - arrola as ações contra o magistrado, na sua edição de vinte de janeiro do corrente ano:

‘Desde março do ano passado, após a operação Satiagraha, o Tribunal Regional Federal instaurou, a cargo de De Sanctis, cinco procedimentos administrativos, dos quais três foram arquivados e dois estão em curso. Mais cinco foram da lavra do STF: três arquivados e dois em cursos. E mais três pelo CNJ: dois em curso e um arquivado. Acrescente-se uma chuva de reclamações diversas no Supremo’.

Voltemos ao artigo da procuradora Janice:

‘No apagar de 2009, duas decisões captaram a atenção da comunidade jurídica. A primeira, pelo ineditismo: na Reclamação 9324, ajuizada diretamente no STF, alegou-se dificuldade de acesso aos autos. O juiz informou ter deferido todos os pedidos de vista. Sobreveio a inusitada liminar: o ministro Eros Grau determinou que todas as provas originais fossem desentranhadas do processo (!) e encaminhadas ao seu gabinete. Doze caixas de provas viajaram de caminhão por horas a fio e agora repousam no STF’.

‘A segunda foi a liminar dada pelo ministro Arnaldo Esteves Lima (STJ, HC 146796), na véspera do recesso. Por meio de uma decisão pouco clara e de apenas 30 linhas, apesar da robusta manifestação contrária da Procuradoria-Geral da República, todas as ações e investigações da Satiagraha foram suspensas e poderão ser anuladas, incluindo o processo no qual já houve condenação por corrupção’.

‘A alegação foi de suspeição do juiz, rechaçada há mais de um ano pelo TRF-3ª Região. Curiosamente, o réu não recorreu naquela ocasião. Preferiu esperar dez meses para impetrar HC no STJ, repetindo a mesma tese. As duas decisões são secretas. Não foram publicadas e não constam dos sites do STF e do STJ. Juntas, fulminam uma megaoperação que envolveu anos de trabalho sério. Reforçam a sensação de impunidade para os poderosos, que jamais prestam contas à sociedade pelos crimes cometidos’.

Senhor Presidente, passo agora a tratar da Operação Castelo de Areia. O rolo compressor moveu-se desde o momento em que o juiz de Sanctis aceitou denúncia do Ministério Público contra diretores da construtora Camargo Corrêa por julgar convincentes as provas de que eles teriam enviado dólares a paraísos fiscais.

Sobre a Operação Castelo de Areia, a revista Carta Capital informou que a procuradora da República responsável pelo caso, Karen Louise Kahn, lamentou a decisão do STJ, já que o ministro que a firmou teria sido ‘induzido a erro por advogados ao deferir liminar sem ouvir o Ministério Público Federal’.

Segundo a procuradora Karen Louise Kahn, a atuação do MPF durante toda a investigação ‘foi inteiramente pautada na legalidade, fornecendo à Justiça Federal todos os elementos necessários à concessão de medidas constritivas, como a interceptação telefônica, que acabou sendo deferida pelo juízo de forma legal e fundamentada’.

A ação referente ao caso Castelo de Areia foi suspensa provisoriamente no dia 14 de janeiro quando o ministro César Asfor Rocha, presidente do STJ, concedeu hábeas corpus em favor dos acusados em função da existência de supostas provas ilícitas no processo.

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Senadores:

Quero comentar aqui a “sensação de impunidade” que atinge hoje todos os cidadãos brasileiros.

Existem vários estudos que avaliam a sensação que os cidadãos têm, por exemplo, em relação à impunidade reinante em suas sociedades.

O que se sabe é que a sensação de impunidade no Brasil é fortíssima. Isso ocorre porque os telejornais mostram todo dia criminosos comuns sendo enfiados num camburão, mas quase nunca apresentam um figurão sendo levado para a cadeia.

O que está em na mente do cidadão brasileiro é o sorriso de gente graúda ao sair da cadeia cercada por seus advogados altamente remunerados.

Acontece, porém, que nós vimos, recentemente, na televisão norte-americana, o banqueiro Bernard Madoff, autor do maior golpe de pirâmide financeira da história, sendo xingado nas ruas de Nova Iorque ao ser conduzido ao tribunal.

Senhor Presidente, o problema é, repito, da maior gravidade.

E pergunto eu:

Será mesmo que os setores mais altos da nossa Justiça estão em divergências profundas com os magistrados das instâncias iniciais?

Essa é uma pergunta inconcebível num país democrático.

Mas eu pergunto ainda:

Haverá fundamento na sensação que temos de que impera a impunidade em nosso país?

Será que os ricos, os poderosos, os magnatas e as grandes empresas saem sempre vencedores nas causas que enfrentam na Justiça brasileira, aqui no Congresso Nacional ou nos órgãos do poder Executivo?

Essas são perguntas que me constrangem.

As respostas a essas perguntas também me constrangem.

Repito aqui, Senhor Presidente, o trecho final do artigo da procuradora Janice Ascari publicado pela Folha:

‘A sociedade precisa de segurança e de voltar a ter confiança na Justiça imparcial, aquela que deve aplicar a lei a todos, indistintamente.’

Senhor Presidente, aqui acabava meu discurso anterior sobre a Justiça.

Hoje, aqui, mantenho essas indagações delicadas mesmo depois da prisão do governador do Distrito Federal acusado de tentar subornar testemunhas, após ter sido apontado, inicialmente, como mentor, aqui na capital da República, de um sistema de mensalão, ou seja, de pagamento de uma certa quantia mensal a deputados de sua base política na Câmara Distrital.

Pelo que informam os jornais, a corrupção em Brasília atingiu números extraordinários.

Esse sistema de ‘sustentação política’ não é privilégio único do Distrito Federal. Uma acusação semelhante contra o governo federal derrubou, anos atrás, o então todo poderoso ministro José Dirceu e arrastou junto com ele uma dezena de destacados petistas. Aliás, cabe aqui um comentário. Desde o momento em que caiu o senhor José Dirceu e assumiu a Casa Civil a ministra Dilma Roussef o governo Lula deu um salto de qualidade. Mudou para muito melhor. Ficou mais eficiente e menos autoritário.

Vamos à Operação Caixa de Pandora.

Antes de tudo, quero saudar o ministro Fernando Gonçalves, que determinou a prisão do governador. Pelo que diz a imprensa, trata-se de um magistrado cauteloso e discreto, como costumam ser os juizes nascidos nas Minas Gerais. Pelo que dizem aqueles que o conhecem, para tomar atitude de tal grandeza, ele deve ter refletido muito e deve ter examinado à exaustão um grande número de provas arrasadoras.

Também me chamou a atenção o fato de o ministro Fernando Gonçalves ter obtido, pouco depois de sua decisão, a confirmação do seu veredicto pelo pleno do STJ. Essa, embora sendo uma atitude jurídica, me pareceu ter um secreto conteúdo político. Melhor dizendo, de sabedoria política. Porque, depois da reunião do pleno, ficou mais difícil revogar uma decisão, coletiva, tomada por alguns dos ministros mais destacados da nação.

A seguir, tivemos a negação, pelo ministro Marco Aurélio, do STF, de um pedido de hábeas corpus impetrado em favor do governador por seus advogados. No seu despacho, o ministro Marco Aurélio disse que a decisão de prender o governador havia sido tomada com “esmero insuplantável”.

Transcrevo aqui um trecho que me parece excelente do despacho do ministro Marco Aurélio:

‘Se, de um lado, o período revela abandono a princípios, perda de parâmetros, inversão de valores, o dito pelo não dito,o certo pelo errado e vice-versa, de outro, nota-se que certas práticas - repudiadas a não mais poder, pelos contribuintes, pela sociedade - não são mais escamoteadas, elas vêm à baila para ensejar a correção de rumos, expungida a impunidade. Então, o momento é alvissareiro’.

Após a prisão do governador, os fatos políticos ganharam velocidade. Quatro organizações ingressaram na Justiça com pedidos de impeachment do vice-governador de Brasília, Paulo Octávio, agora exercendo a governança. Simultaneamente, o procurador geral da República, Roberto Gurgel, entrou no STF com pedido de intervenção federal no Distrito Federal.

A tese da intervenção federal - pelo que nos informa a imprensa - não encontrou guarida nem no Palácio do Planalto, nem no Supremo e muito menos no Congresso Nacional.

O presidente Lula – que, num primeiro momento, disse que as imagens de gente botando dinheiro nas meias não falavam por si, mas que, depois, se disse chocado - não quer o ônus de indicar a figura sempre antipática um interventor em um ano eleitoral.

Os ministros do Supremo dizem que é preciso exaurir as três instâncias de sucessão - vice-governador, presidente da Câmara Distrital e Presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal - antes de decretar a intervenção.

No Legislativo, a votação de um pedido de intervenção bloquearia a votação das Propostas de Emenda à Constituição neste ano eleitoral. Ou seja, ela simplesmente acabaria com a nossa produtividade legislativa, hoje baixíssima.

O presidente da Câmara e Presidente do meu partido, o deputado Michel Temer, disse aos jornais: ‘A regra constitucional é a não-intervenção’. E acrescentou: ‘O normal é seguir o rito institucional. Se houver problemas com o vice-governador, assume o presidente da Câmara Legislativa. Se der problema, o presidente do Tribunal de Justiça. Se nada der certo, aí sim, vem a intervenção, que é a excepcionalidade’.

Agora, estamos aguardando as decisões do Supremo.

Confirmarão os ministro do STF a decisão do ministro Fernando Gonçalves? Decidirão a favor da manutenção da ordem de prisão contra o governador? Como reagirão os ministros do Supremo diante do pedido de intervenção?

A crise política de Brasília se arrasta há mais de oitenta dias.

Sou um admirador da obra de Juscelino Kubitscheck. A criação de Brasília serviu para favorecer o desenvolvimento acelerado de Estados que hoje são relevantes para a economia nacional, como Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Tocantins, sem falar em seus efeitos benéficos sobre Minas Gerais, Bahia, Maranhão e Piauí. No entanto, a representação política em Brasília apresentou muitos problemas. Em cerca de vinte anos de presença no Senado, a capital da República perdeu três senadores, dois deles renunciaram ao mandato e um terceiro foi cassado pelos seus pares.

Eram essas reflexões que eu queria compartilhar com os senhores Senadores.

Ao encerrar, Senhor Presidente, peço que seja anexada ao meu pronunciamento uma nota à imprensa distribuída pela Associação dos Juízes Federal do Brasil (Ajufe) sobre os devastadores desdobramentos das operações Satiagraha e Castelo de Areia.

Diz a nota emitida no dia 19 de janeiro de 2010, em Brasília, pelo juiz Fernando Cesar Baptista de Mattos, presidente da Ajufe:


‘A Associação dos Juízes Federais do Brasil, a propósito das recentes manifestações divulgadas na imprensa acerca das decisões do Superior Tribunal de Justiça que suspenderam as ações penais abertas em decorrência das chamadas operações "Satiagraha" e "Castelo de Areia", vem a público, uma vez mais, defender a independência dos magistrados e salientar que a reforma de decisões deve ser vista pela sociedade como fato normal no Estado Democrático de Direito’.

‘Diariamente são proferidas milhares de decisões pelos juízes e tribunais brasileiros, a partir do livre convencimento e da interpretação dos fatos, da Constituição e das leis. Cada uma dessas decisões agrada uma parte do processo e desagrada a outra.’

‘A independência funcional da magistratura é uma garantia fundamental do Estado Democrático de Direito e da cidadania, não podendo, por qualquer forma, ser diminuída. A possibilidade de recorrer das decisões judiciais também integra o mesmo rol de garantias fundamentais. Portanto, a decisão judicial por órgão de primeiro grau de jurisdição, o recurso em razão dela interposto e a decisão de órgão de instância superior, reformando ou não a decisão primeira, são fatos normais do cotidiano judiciário.’

‘O que não se pode aceitar é a tentativa, cada vez mais reiterada, de, a partir da reforma de uma decisão judicial, pretender-se desqualificar o magistrado que a proferiu. Isso deve ser repelido com veemência.’

‘A independência dos juízes brasileiros, seja qual for a instância que integrem, é essencial para a democracia. Atacar um magistrado pela decisão que proferiu é atacar a democracia.’

‘A Ajufe, portanto, rejeita toda e qualquer tentativa de desmoralização pública de seus associados e não se furtará a manifestar-se sempre que necessário.’

Muito obrigado”.

Pedro Simon (PMDB-RS)
Senador da República

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