Reflexões

"Instruí-vos, porque precisamos da vossa inteligência. Agitai-vos, porque precisamos do vosso entusiasmo.

Organizai-vos, porque carecemos de toda a vossa força".
(Palavra de ordem da revista L'Ordine Nuovo, que teve Gramsci entre seus fundadores)

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junho 27, 2008

Entrevista com o filosofo José Salem

É sabido que o XX Congresso do PCUS pouco mais guardou de Stáline que o seu papel na derrota do nazi-fascismo. No entanto, não haverá que reconhecer a Stáline um papel proeminente em todo o período da construção do socialismo?
Refiro-me designadamente aos enormes avanços da revolução nos anos 30 que se revelaram decisivos para o desfecho da guerra e permitiram a afirmação vitoriosa do socialismo como sistema mundial.

No meu livro refiro a cidade de Volgogrado, antes chamada Stalinegrado, onde se produziu a viragem da guerra. É uma espécie de Hiroxima onde as pessoas andam sobre dois milhões de mortos.
Pierre Roederer [político francês que participou no golpe bonapartista de 1798] dizia que não recusava nenhum período da história de França, incluindo o período da revolução..
Se não quisermos limitar-nos a fazer discursos de moral – como os «filósofos» mediáticos, os think faster que vemos nas televisões sempre do lado do bem e contra o mal – então temos de tomar a revolução como um todo.
Numa revolução não se pára ao primeiro morto que se encontra, sobretudo, como dizia Robespierre, se esse morto é um general que massacrou dois mil patriotas: «Queríeis uma revolução sem revolução?», perguntou ele.
Lénine e muitos outros contavam com a revolução mundial. Desde Marx que se pensava que a revolução começaria nos países mais industrializados, onde o proletariado era mais forte e onde as tradições democráticas burguesas já estavam bem enraizados nas massas, tais como a Inglaterra, a Alemanha, a França.
Durante três ou quatro anos após a revolução de Outubro, Lenine pensou que o enorme clarão revolucionário na Rússia e nas colónias do império czarista iria rapidamente alastrar a países verdadeiramente «amadurecidos» para a revolução proletária.
No entanto, com o fracasso do Exército Vermelho na Polónia [1920], para o qual contribuiu a ajuda militar dos franceses; com a derrota da revolução dos sovietes na Hungria [1919] e sobretudo após o massacre dos espartaquistas na Alemanha [1919] a história tomou um rumo diferente, levando Lénine a concluir que seria necessário construir o socialismo num só país.
Uma revolução, como Marx e Engels não se cansaram de dizer, é sobretudo uma confrontação de forças, ou seja, ela não se faz se não pela força. Isso não significa que seja necessário provocar torrentes de sangue.
De qualquer modo, Marx observa que a teoria só se torna uma força material quando está amparada nas massas. Ou seja, se milhões de pessoas se manifestarem nas ruas por uma ideia, por uma vontade, se fizerem greve durante um certo tempo podem, em determinadas circunstâncias, provocar a queda do poder. Isto é, pode não ser necessário pegar em armas.
Tal não significa que os marxistas façam uma religião do pacifismo ou recusem toda a violência, uma vez que se trata de pôr fim a uma violência permanente que é exercida pelo sistema sobre os oprimidos.
A propaganda dos privilegiados escolhe sempre os seus alvos de forma selectiva. Há quilómetros de páginas impressas sobre determinados acontecimentos enquanto outros, com consequências semelhantes ou muito piores, são silenciados.
Por exemplo, os famosos horrores cometidos pelo regime de Saddam Hussein nas aldeias curdas são pouco significativos quando comparados com os crimes de guerra perpetrados pelos norte-americanos no Vietname. Não peço que canonizem Saddam Hussein, mas será que os norte-americanos alguma vez foram julgados ou apresentaram desculpas pelo que fizeram? Pelo contrário, alegam que os vietnamitas exageram o que se passou… o «agente laranja», a utilização generalizada de armas químicas, etc.
Aliás, antes da revolução de 1917, Lénine escreveu que os dez milhões de mortos e vinte milhões de estropiados da I Guerra Mundial, que apenas favoreceu os interesses dos negociantes de canhões, serão vistos pela burguesia como algo de perfeitamente normal e como um sacrifício inteiramente legítimo, mas se se registarem algumas centenas de mortos durante uma revolução, dir-se-á que foi um massacre bárbaro provocado por bárbaros.
Para responder à sua pergunta, é óbvio que a inacreditável resistência oferecida pelos povos da URSS, que fez virar o rumo da guerra, é uma fotografia, um referendo perfeito sobre o que pensavam dessa época soviética os que nela viviam.
O povo de que falamos não se sentia apenas como uma vítima aterrorizada – era parte envolvida numa dinâmica revolucionária, com os seus desvios, os seus erros, os seus crimes.
Alguns historiados não comunistas britânicos e americanos, quer logo a seguir à guerra, quando o prestígio da URSS era enorme, quer hoje, como um certo Michael Coney, que cito no meu livro, consideram como um facto evidente que o anticomunismo foi, a cada passo, um dos elementos, se não mesmo o principal elemento, que permitiu a corrida à guerra.
As potências ocidentais fizeram tudo para deixar as mãos livres a Hitler na sua cruzada a Leste. E o facto de a maioria dos jovens em França acreditar que a URSS era aliada da Alemanha na Guerra é o resultado da intensa propaganda em torno do pacto germano-soviético.
Quantos sabem que o pacto germano-soviético [Agosto 1939] teve lugar um ano depois do acordo de Munique [Setembro 1938], que foi uma espécie de conselho de guerra de Hitler, no qual a Inglaterra e a França, entregando-lhe a Checoslováquia e abandonando os seus aliados, o convidaram a voltar-se para Leste?
Quem sabe que após o discurso contra a guerra pronunciado por Maurice Thorez, então secretário-geral do PCF, em Estrasburgo, o governo francês apresentou à Alemanha um pedido formal de desculpas por «esta provocação dos comunistas»?
Não digo que tudo tenha sido bem feito, mas é preciso lembrar que a URSS, que tinha sofrido a intervenção de 20 potências coligadas para derrotar a revolução em apoio dos brancos na guerra civil, tinha de utilizar todas as possibilidades para evitar uma nova guerra. Não vejo que pudesse ter agido de forma diferente.

Um comentário:

Bosco Ferreira disse...

Estou fazendo um longa metragem sobre a independência da província do Piauí, para a TV CIDADE VERDE de Teresina. As gravações são realizadas nos locais onde aconteceram os fatos, isso tem me afastado do blog. Voltarei na segunda quinzena de julho com mais detalhes, fotos e tempo para visitar os amigos. A saudade é muito grande. Obrigado e até breve.

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